
O Brasil precisa reinventar suas semanas de moda (ou deixá-las para trás)
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Bora encarar o elefante na sala. A moda brasileira tem cultivado uma pulsão de morte em relação às suas semanas de moda. O conceito freudiano desenha bem esse sentimento sádico de se agarrar a algo que vai contra sua permanência, à autoerradicação inconsciente, à saudade de algo que ficou na memória (normalmente embelezada pelo distanciamento histórico e histérico). Psicanálise não é meu mundo de habla (a Vivian Whiteman fica no guichê ao lado), mas acho que deu pra sacar o ponto.
Não é de hoje que esse sentimento paira no ar. Entre todas as camadas envolvidas no real processo dos desfiles, as reclamações e insatisfações são as mesmas, em desabafos sinceros — e repetidas, temporada após temporada. Mas foi nesse retorno do pós-quarentena que os ânimos têm aumentado; especialmente pela geração mais nova de criatives que surgiu e reformulou os calendários nos últimos anos.
EU SEI que esse texto é discussão nível Dia da Marmota, mas segue comigo.
O mercado é enxuto, a economia não ajuda, o Brasil muito menos (o preço do pano né menina, nem se fale) mas todo mundo segue tentando… chegar onde? Essa pergunta nunca ganha uma resposta muito certeira quando pergunto às pessoas por que elas seguem desfilando. É um desejo, um reforço de imagem, uma massagem no ego (e isso não é necessariamente ruim), mas a estratégia sempre parece acontecer pelo motor da inércia — ou seja, porque sempre foi assim. Podemos contar nos dedos quem realmente consegue ir para a passarela com a conta mais ou menos paga e tirar dali alguma vantagem — se nem os likes do Instagram compensam mais.
E daí sempre me pergunto: para que seguir assim?
Talvez esteja na hora de encarar esse assunto longe da força motriz da rotina. E perceber que, no simulacro de mercado de moda que temos nas mãos, cada vez mais encolhido, deveríamos parar de nos espelhar na estratégia de gigantes como Paris ou Milão et aliae. Claro, sim, é uma tradição completamente amarrada a esse tipo de criação e pensamentos da roupa como manifestação artística, política, comercial, o que for. Mas faz sentido, para a nossa realidade, se não movimenta nem dinheiro nem holofotes para quem se apresenta?
Por aqui, esse formato deixou de fazer certo sentido há mais uma década -- mais ou menos quando o mundo real parou de prestar atenção frenética na criação nacional e seus big shows. A moda hoje é de quem grita mais, então diria que é um momento de passar a gritar melhor — e do nosso jeito. Para que seguir presos a um formato que Worth inventou no século 19 e os franceses juraram ser legal? Se o Sul Global está em um momento de expansão e inspiração e quiçá dominação, deveria parar de beber nas velhas iniciativas do Norte. Parar de seguir formatos que não cabem no nosso clube.
Ponto e vírgula.
Não é de hoje que esse sentimento paira no ar. Entre todas as camadas envolvidas no real processo dos desfiles, as reclamações e insatisfações são as mesmas, em desabafos sinceros — e repetidas, temporada após temporada. Mas foi nesse retorno do pós-quarentena que os ânimos têm aumentado; especialmente pela geração mais nova de criatives que surgiu e reformulou os calendários nos últimos anos.
EU SEI que esse texto é discussão nível Dia da Marmota, mas segue comigo.
O mercado é enxuto, a economia não ajuda, o Brasil muito menos (o preço do pano né menina, nem se fale) mas todo mundo segue tentando… chegar onde? Essa pergunta nunca ganha uma resposta muito certeira quando pergunto às pessoas por que elas seguem desfilando. É um desejo, um reforço de imagem, uma massagem no ego (e isso não é necessariamente ruim), mas a estratégia sempre parece acontecer pelo motor da inércia — ou seja, porque sempre foi assim. Podemos contar nos dedos quem realmente consegue ir para a passarela com a conta mais ou menos paga e tirar dali alguma vantagem — se nem os likes do Instagram compensam mais.
E daí sempre me pergunto: para que seguir assim?
Talvez esteja na hora de encarar esse assunto longe da força motriz da rotina. E perceber que, no simulacro de mercado de moda que temos nas mãos, cada vez mais encolhido, deveríamos parar de nos espelhar na estratégia de gigantes como Paris ou Milão et aliae. Claro, sim, é uma tradição completamente amarrada a esse tipo de criação e pensamentos da roupa como manifestação artística, política, comercial, o que for. Mas faz sentido, para a nossa realidade, se não movimenta nem dinheiro nem holofotes para quem se apresenta?
Por aqui, esse formato deixou de fazer certo sentido há mais uma década -- mais ou menos quando o mundo real parou de prestar atenção frenética na criação nacional e seus big shows. A moda hoje é de quem grita mais, então diria que é um momento de passar a gritar melhor — e do nosso jeito. Para que seguir presos a um formato que Worth inventou no século 19 e os franceses juraram ser legal? Se o Sul Global está em um momento de expansão e inspiração e quiçá dominação, deveria parar de beber nas velhas iniciativas do Norte. Parar de seguir formatos que não cabem no nosso clube.
Ponto e vírgula.

Romantismos revolucionários à parte, porém, a nossa maior questão não é o formato — mas os eventos pelo país que se baseiam nele e que, em maior ou menor medida, vão patinando. Especialmente (e inevitavelmente, por ser (ainda) o maior) o SPFW, mas não só.
O público realmente interessado é ínfimo, a mídia é parca e os influenciadores, desinteressados. Daí se constroem semanas de moda com 30, 40 apresentações que seguem girando no vazio feito parafuso espanado — enquanto marcas e estilistas passam o pires para repartir a planilha do patrocinador, segundo critérios invisíveis, ao mesmo tempo em que se comunicam majoritariamente com quem já os conhecem, através dos seus próprios canais além-passarela.
Shows imensos não têm uso se a plateia está cheia de olhares vazios. Foi assim que os maiores nomes de outrora desapareceram (ou desistiram) na última década. E é assim que os menores seguem se esforçando para tentar se encaixar no formato que derreteu a geração anterior (e a anterior àquela), um ritual que acaba com qualquer ideia de permanência ou sentimento de continuidade.
O público realmente interessado é ínfimo, a mídia é parca e os influenciadores, desinteressados. Daí se constroem semanas de moda com 30, 40 apresentações que seguem girando no vazio feito parafuso espanado — enquanto marcas e estilistas passam o pires para repartir a planilha do patrocinador, segundo critérios invisíveis, ao mesmo tempo em que se comunicam majoritariamente com quem já os conhecem, através dos seus próprios canais além-passarela.
Shows imensos não têm uso se a plateia está cheia de olhares vazios. Foi assim que os maiores nomes de outrora desapareceram (ou desistiram) na última década. E é assim que os menores seguem se esforçando para tentar se encaixar no formato que derreteu a geração anterior (e a anterior àquela), um ritual que acaba com qualquer ideia de permanência ou sentimento de continuidade.

Imagens todas: cortesia de um tempo gasto bebendo no Midjourney
O SPFW, se agora diz querer ganhar dinheiro e pintar-se como evento de entretenimento, deveria investir em novas ideias de apresentação que sejam mais sedutoras para o público que hoje atinge e não mortifiquem quem (ainda) quer estar lá dentro. Moda é indústria, não recreação. Se for para tratar como tal, que seja de uma maneira interessante. Assim como o Brasil Eco Fashion Week acerta ao cravar num assunto específico e o DFB não tenta disfarçar que a a moda é apenas um dos seus pontos de interesse. Assim como alguns integrantes da Casa de Criadores se beneficiariam imenso se migrassem para fora do gesso da passarela, enquanto o evento abraça outros formatos de criação e discussão, como já vem se mexendo para fazer. É preciso desinchar para se manter saudável. Destrinchar. Focar. Largar o formato de semana de moda e se espalhar. Não faltam possibilidades.
Temos por aí uma leva de nomes altamente interessante e interessada querendo falar, criar e produzir, apesar dos perrengues. Ela precisa ser cutucada, espezinhada, incentivada a evoluir. Não se deixar agarrada a eventos apaziguadores onde tudo é "meio bom". Não se fomenta um mercado nivelando a régua naturalmente para baixo. Em paralelo, essa mesma trupe deveria vigorar-se em perceber e questionar iniciativas que só as vampirizam e pouco oferecem em troca — e criar seus próprios rolês. Já passamos da fase de ocupar espaços, é o momento de inventar novos. E fazer o (pouco) investimento que há escoar para quem precisa.
O que falta mesmo — e eu crivo, mesmo — é consciência de classe, de união. É preciso construir uma base para não ir de base. Essa nova geração precisa se falar, se juntar, parar de rebater o recalque dos antigos e construir uma nova realidade própria e não-dependente. Precisa perceber que não podem se tratar como competidores se todos estão sendo atropelados por um fator comum. Semanas de moda não-horizontalizadas não reverberam na realidade pulverizada de um novo mundo colaborativo. Mas isso só depende de quem está vindo. Não dá para esperar as mudanças sentados.
Superemos.
Feliz ano novo.
Temos por aí uma leva de nomes altamente interessante e interessada querendo falar, criar e produzir, apesar dos perrengues. Ela precisa ser cutucada, espezinhada, incentivada a evoluir. Não se deixar agarrada a eventos apaziguadores onde tudo é "meio bom". Não se fomenta um mercado nivelando a régua naturalmente para baixo. Em paralelo, essa mesma trupe deveria vigorar-se em perceber e questionar iniciativas que só as vampirizam e pouco oferecem em troca — e criar seus próprios rolês. Já passamos da fase de ocupar espaços, é o momento de inventar novos. E fazer o (pouco) investimento que há escoar para quem precisa.
O que falta mesmo — e eu crivo, mesmo — é consciência de classe, de união. É preciso construir uma base para não ir de base. Essa nova geração precisa se falar, se juntar, parar de rebater o recalque dos antigos e construir uma nova realidade própria e não-dependente. Precisa perceber que não podem se tratar como competidores se todos estão sendo atropelados por um fator comum. Semanas de moda não-horizontalizadas não reverberam na realidade pulverizada de um novo mundo colaborativo. Mas isso só depende de quem está vindo. Não dá para esperar as mudanças sentados.
Superemos.
Feliz ano novo.