Mark

Os novinhos podem trazer a relevância de volta ao SPFW?

(e eles deveriam querer?)

:

SPFW n47
Abril 2019

A semana de moda paulistana é millennial. E está beirando os 24 anos como uma legítima representante da classe: repleta de inseguranças e vazios existenciais, mas segurando firme em um verniz de perseverança e um discurso de quem sabe o que quer.

Quem acompanha o SPFW há tempos pôde perceber claramente a mudança de vocações e importância dentro do cenário da moda - local e global. Já foi o grande evento que mobilizava a cidade, na boca de donas de casa e taxistas, girando a roda dos grandes industriais da moda e alguns gatos pingados de criativos aqui e ali, até recrudescer atualmente como uma plataforma guerreira e teimosa que se comunica diretamente com os insiders da indústria.

Nada de mal há nisso, se pensarmos que o cenário como um todo, entre idas e vindas, também passou por deformações diversas. De grande estrela da mídia, a moda se pulverizou na última década como uma manifestação plural e descentralizada (e pouco interessante no quesito marketing).

O mercado interno foi sendo achatado cada vez mais, versus a concorrência do capital estrangeiro. A mídia especializada se vampirizou e se esmagou (#postpago), em inversa medida à popularização das redes sociais e da liberdade de opinião (e do vestir). A fase das fusões, com a criação dos grandes conglomerados da moda BR, não deu em grandes pensamentos & liberdades estéticas. E muitas das marcas mais tradicionais enfrentam um esgotamento criativo, agarrando-se ao seguro e ao vendável, repisando uma visão já conhecida das suas passarelas.

Vários elos se quebraram, resultando finalmente num afastamento e isolamento da semana de moda, em relação a um público que realmente se importa com o assunto - e que começou a pensar nele quando o evento já não tinha essa bola toda. Assim como, naturalmente, um afastamento também do olhar além-fronteira.

Fato é que o SPFW, enquanto autoproclamada ponta de lança da moda brasileira y latino-americana, perdeu espaço e fôlego. E no girar da roda geracional, teve seu nível de “interessância” espanado por eventos indies como a Casa de Criadores, o Dragão Fashion de Fortaleza e outras iniciativas menores pelo país.

Essa perda de fôlego pode ser lida como natural, já que o evento (assim como a indústria nacional) não costuma ser o mais veloz em renovar seus quadros de passarela. Entre se fiar às grandes empresas com capital de giro, manter a geração 1990/2000 e se adequar às datas do comércio de vitrine na onda do #seenowbuynow, fatalmente as maiores novidades foram acontecendo fora do circuito.

Basta fazer uma pequena regressão e calcular por quantos anos Alexandre Herchcovitch foi o único criador a ganhar atenção, feito lua solitária. Ou na relutância das grandes grifes em apostar em (e manter) nomes que promovessem um respiro a um necessário star system da nossa moda.

Enquanto isso, os millennials reais aqui do lado de fora seguiram a vida - e reinventaram um modo de fazer e pensar moda dentro das possibilidades que o Brasil permite. Dentro dessa parcela, uma geração de makers que, historicamente, foi esnobada pelo clube da grande semana de moda, notoriamente os jovens das faculdades e a galera das periferias e dos movimentos identitários

Não faltam, em 2019, iniciativas de moderado sucesso que não dependem de passarela ou de grande mídia (que grande mídia?) para produzir coleções micro que alimentam comércios online e pequenas butiques traçadas a dedo pelas capitais.

Slow fashion, microinfluências, criações desamarradas das lógicas de produção anteriores, sustentabilidade como pensamento real (e não estratégia de marketing), produção local fora dos eixos óbvios, instagrams ativos e comunicação direta com o público. Essa é parte da modernidade que se desenhou pra além do SPFW.

E é esta modernidade que (finalmente) esta semana de moda quer (e precisa) abraçar.

O movimento começou pesado no final de 2018, quando o SPFW largou o prédio da Bienal (representativo de outras eras que precisavam ser deixadas pra trás), assumindo um espaço para si, menor e mais confortável como 2019 pede. E deu um chacoalhão inicial no line-up.

Piet e Cacete Company foram as encarregadas da vez na tentativa de criar um novo mainstream, ao lado das recém-chegadas Beira, Handred e Modem e da Led, que vinha correndo por fora. Enquanto o Projeto Estufa, com os novinhos de verdade à tiracolo, exibiu desfiles de potencial maior que grande parte do line-up dos clássicos.

Deixemos claro que esta digressão não é uma campanha para tirar os mais velhos do caminho. Nada de ageism apocalíptico por aqui. Estes podem continuar fazendo os mesmo desfiles dos últimos 20 anos, que isso é problema deles e lá da clientela deles.

Mas sangue novo é necessário, discursos novos são necessários. E essa gurizada está ali cumprindo seu papel.

Na edição que começa agora, chegam mais novidades, seduzidas pela marca SPFW. Destas, Ocksa e Neriage representam uma parcela de criadores que poderiam (num mundo utópico mas alcançável) se bastar sem o evento; Another Place tem uma vida calcada em redes sociais plenamente escalável por conta própria com ambições controladas; Flavia Aranha e Haight, cada uma no seu nicho, vinham construindo uma história considerável com as próprias mãos. 

Dos 36 desfiles deste SPFW n47, pelo menos metade é new generation - uma porcentagem que, puxando apenas pela memória, nunca aconteceu.

Porém (e se faz necessário o negrito), essa conta tem que fechar.

Novos tempos pedem novas atitudes, e sabe-se que os braços do SPFW, salvo poucas excessões, nunca foram pródigos em acalentar as novas filiações - vide a “geração perdida” do HotSpot, nos idos de 2004, quando a iniciativa fomentava muito mais um hype em detrimento de técnicas de sobrevivência ao mercado.

Esse novinhos de agora sabem bem (ou se não, deveriam saber) que, mais do que nunca, a semana de moda precisa muito mais deles do que eles precisam desta semana de moda. Não à toa a busca por novos quadros pela produção é intensa, com o oferecimento de apoio financeiro a novas etiquetas que não podem bancar um desfile do tamanho inflado do evento.

Do jeito que se desenha o cenário hoje, para um jovem criador e seu microuniverso, fazer parte do SPFW não faz grandes diferenças - pesando-se esforços e recompensas, ofertas e demandas. E pode ser até mais interessante que eles existam por conta própria ou em cenários paralelos, comunicando-se diretamente com seu público (que, de novo, não tem o olhar voltado para esta passarela).

O quociente de vantagens mudou, e são essas marcas que estão entregando seus grandes ativos - de fôlego, de influência, de contemporaneidade, de importância - ao evento recrudescido.

Então fica a torcida para que essa juventude toda não caia sem aviso no moedor de carne ético e estético. E que o SPFW respeite essas novas possibilidades - não só para benefício próprio.

...

22.04.2019