
Três boys que conheci em Roma e você deveria prestar atenção, sim.
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Uma das maiores novidades do meu pós-quarentena foi passar a acompanhar in loco a AltaRoma, semana de moda italiana que acontece em Roma (oh, really) há vinte anos.
A cidade pode soar como um destino pouco fashionista para quem está acostumade a olhar para a moda italiana sob a ótica onipresente e viciada de Milão. No entanto, antes do boom do prêt-à-porter transformar Milão na imensidade que é hoje, a capital italiana era origem e destino do que eles chamam de Alta Moda (mais ou menos o equivalente à Couture parisiense, você sabe, os ateliês e o sob medida, mas sem tantas regras tipo D.O.C como os franceses). Em algum momento da década de 1960, Milão e Roma fizeram braço de ferro para ver quem era a grande cittá da moda italiana — mas como o mundo obviamente preferiu o prêt-à-porter, mais fácil e mais barato e “mais democrático”, Roma ficou para trás — mesmo sendo cidade natal da Fendi, Valentino, Bulgari, Brioni etc.
AltaRoma vem num esforço de fazer esse revamp de olhares desde o começo dos anos 2000, e não sem grandes poderes envolvidos — a atual presidente do comitê que organiza e controla a semana de moda é Silvia Venturini Fendi, terceira geração da casa italiana que leva seu sobrenome — incluindo associações da indústria e o governo local, que se juntam para financiar a história toda, como deveria acontecer em semanas de moda sérias e realmente interessadas em fazer um cenário acontecer.
A estratégia é boa — e o que me interessa bastante: enquanto deixa os grandes players se exibindo em Milão, AltaRoma dedica-se a guiar, apresentar e fomentar pequenos, médios e novos designers, não só da capital mas de vários polos espalhados pela Itália.
É aqui que acontece a final do Who’s on Next, concurso anual promovido pelo evento junto da Vogue Italia. AltaRoma abre espaço de passarela para novas marcas mas também, em peso parecido, para desfiles-apresentação de jovens que estão se formando em faculdades de moda. Faz também o showcase Rome is my Runway, desfile coletivo à la Casa de Criadores, além de montar showroom paralelo à passarela com seleção de iniciativas de pequenas empresas, muitas com um pensamento em moda minimamente sustentável — outro dos fatores de atenção do evento.
Ou seja, o foco não é só na capital, mas em re-construir o Made in Italy de forma sustentável e com nomes jovens que dificilmente ganhariam meio olhar se se metessem em Milão. O resultado pode ser um bocado irregular às vezes, como em qualquer iniciativa voltada a novos pensamentos, mas o esforço é essencial.
Estou escrevendo esse contexto imenso daqui de Roma — a edição de inverno 2024 acontece pelos próximos três dias — para repescar três nomes interessantes que conheci por aqui nas outras edições que participei, em 2022.
A cidade pode soar como um destino pouco fashionista para quem está acostumade a olhar para a moda italiana sob a ótica onipresente e viciada de Milão. No entanto, antes do boom do prêt-à-porter transformar Milão na imensidade que é hoje, a capital italiana era origem e destino do que eles chamam de Alta Moda (mais ou menos o equivalente à Couture parisiense, você sabe, os ateliês e o sob medida, mas sem tantas regras tipo D.O.C como os franceses). Em algum momento da década de 1960, Milão e Roma fizeram braço de ferro para ver quem era a grande cittá da moda italiana — mas como o mundo obviamente preferiu o prêt-à-porter, mais fácil e mais barato e “mais democrático”, Roma ficou para trás — mesmo sendo cidade natal da Fendi, Valentino, Bulgari, Brioni etc.
AltaRoma vem num esforço de fazer esse revamp de olhares desde o começo dos anos 2000, e não sem grandes poderes envolvidos — a atual presidente do comitê que organiza e controla a semana de moda é Silvia Venturini Fendi, terceira geração da casa italiana que leva seu sobrenome — incluindo associações da indústria e o governo local, que se juntam para financiar a história toda, como deveria acontecer em semanas de moda sérias e realmente interessadas em fazer um cenário acontecer.
A estratégia é boa — e o que me interessa bastante: enquanto deixa os grandes players se exibindo em Milão, AltaRoma dedica-se a guiar, apresentar e fomentar pequenos, médios e novos designers, não só da capital mas de vários polos espalhados pela Itália.
É aqui que acontece a final do Who’s on Next, concurso anual promovido pelo evento junto da Vogue Italia. AltaRoma abre espaço de passarela para novas marcas mas também, em peso parecido, para desfiles-apresentação de jovens que estão se formando em faculdades de moda. Faz também o showcase Rome is my Runway, desfile coletivo à la Casa de Criadores, além de montar showroom paralelo à passarela com seleção de iniciativas de pequenas empresas, muitas com um pensamento em moda minimamente sustentável — outro dos fatores de atenção do evento.
Ou seja, o foco não é só na capital, mas em re-construir o Made in Italy de forma sustentável e com nomes jovens que dificilmente ganhariam meio olhar se se metessem em Milão. O resultado pode ser um bocado irregular às vezes, como em qualquer iniciativa voltada a novos pensamentos, mas o esforço é essencial.
Estou escrevendo esse contexto imenso daqui de Roma — a edição de inverno 2024 acontece pelos próximos três dias — para repescar três nomes interessantes que conheci por aqui nas outras edições que participei, em 2022.


Francesco Saverio Costanzo
Gams Note
Quando conheci Alessandro Marchetto, em janeiro do ano passado, era um gurizito formado há pouco pelo Instituto Marangoni de Milão que estava no showroom da AltaRoma apresentando a primeira coleção da sua Gams Note, fundada em 2021. Com foco na moda masculina jovem, Marchetto trabalha códigos de alfaiataria e de referências diretas de uniformes com um olho em uma lembrança de infância idealizada e o outro numa ligeira pegada queer. Tanto que o logo da Gams revê o brasão dos escoteiros (outra das suas refs costumeiras) com a ilustração de um casal de meninos de cueca em meio a flores e um guaxinim; #fofo. Ele curte (e eu também) uma modelagem boxy, mas com seus segredos. E, apesar da pegada ligeiramente vintage, não é dado (nem tem idade para) rememórias anacrônicas — é tudo bem fresh. Tanto que, seis meses depois, Alessandro foi premiado no Who’s on Next de 2022 com consultoria e acompanhamento de um semestre pela Pitti Imagine, a organizadora da Pitti Uomo.
>> instagram.com/gamsnote


Divulgação
Simon Cracker
Simone Botte mexe na sua Simon Cracker há uma década. Meio marca meio laboratório, a marca se aplica no upcycling de forma pouco tediosa — e sem entregar roupas que parecem apenas feitas no liquidificador do acaso. Simone tem um pensamento (e um acabamento) pesado de sartoria, enquanto oferece uma estética quasi-punk que me faria colocá-lo facilmente como herdeiro melhorado de Vivienne Westwood (#RIP), se fosse o caso de chamar um novo diretor-criativo para a marca da gata (eu mesmo espero que ela feche, aliás). Ele inclusive trabalha com conceitos próprios interessantes e cheio dos jogos de palavras: como o brokentailoring e o PUNKINDNESS, que eu amo — define ele: “o que é mais punk, hoje em dia, do que ser uma pessoa minimamente autêntica e consciente?”, misturando o DIY dos 1970s com Kawaii. No desfile que vi, e que me impactou, Botte misturou alfaiataria com vestidos de noivas antigos, retalhados e reconstruídos, em mil looks agênero. Já fez outra apresentação depois disso, mas seu Instagram é uma profusão de ideias tão maciça que parece que é uma coleção por semana — se bobear, é isso mesmo. Eu fiz uma entrevista com Simone para a L’Officiel, dá pra ler aqui.
>> instagram.com/simoncracker


Divulgação
Casa Preti
De Palermo, capital da Sicília, Mattia Piazza é o único dos três que é realmente recorrente no calendário da AltaRoma — sua Casa Preti abre a passarela amanhã, inclusive. Quando falamos pela primeira vez, depois de contar que estudou canto operístico antes de cair na moda, definiu a marca como “catalisadora dos seus desejos”. Os desejos ali são muitos, mas caem diretamente em vontades de estruturas volumosas e street — seja do moletom seja das capas imensas e vinílicas. Às vezes ele surge romântico, às vezes urbano e debochado — mas sempre com um pensamento bom para amarrar por trás, provando a minha teoria de que pessoas nascidas em ilhas tem um quê especial. A última coleção, refletia sobre um mundo em que o poder estava na mão das mulheres, chegando até à figura de Santa Rita de Cássia, reverência tradicional dos palermitanos. A de amanhã, diz ele, continua em casa e olha para as figuras femininas que passaram pela sua vida. Tantos desejos e tantas mulheres botaram a Casa Preti para assinar, em dezembro, figurino para performance/instalação de Vanessa Beecroft (!). Reunindo participantes locais que vestiam túnicas brancas inspiradas em freiras beneditinas, em meio a rostos-escultura de cerâmica que a gata gosta tanto de fazer, VB94 aconteceu no Palazzo Abatellis, em Palermo. Não sei você, mas eu acho isso um crivo do tamanho do mundo.
>> instagram.com/casapreti